A TRAIÇÃO (3o capítulo de 5)

1.
Ela desligou o celular sem acreditar. O movimento de seu braço levando o aparelho da orelha para dentro da bolsa foi acompanhado de uma lágrima. Não podia ser verdade. Isso não estava acontecendo com ela. Simplesmente não fazia sentido. Ele era tão atencioso, tão romântico, tão presente... Ele era perfeito! Tá… ok, ele podia não ser tão perfeito em tudo. Tinha um mau humor matinal insuportável, não ajudava muito com as tarefas domésticas e era pontual de um jeito exagerado, quase um T.O.C. Mas afetivamente com ela e com a filha beirava a perfeição. Era um pai dedicado, paciente, apaixonado, que levava a filha para todos os lugares, inclusive para o estádio de futebol. Tinham um companheirismo muito bonito de se ver. E para ela, ele era igualmente cativante. Era do tipo que dava flores nas datas especiais, pensava em presentes surpreendentes e jogos de sedução. Fazia questão de saírem juntos pelo menos uma vez por semana para não deixarem o hábito de namorar sucumbir à rotina familiar. Conquista-lo era um dos grandes orgulhos de sua vida e sempre se sentiu muito segura em relação ao amor que ele demonstrava à família que construíram. Achava que sua relação era diferente da grande maioria das relações que conhecia; havia mais cumplicidade, mais intimidade, mais... amor mesmo. E agora seu mundo tinha ido ao chão. Havia sido traída.

2.
Sua irmã tinha acabado de ligar para dizer que tinha visto seu marido, o quase perfeito, aos beijos numa casa de shows popular da cidade, na quinta à noite. Era sábado pela manhã e sua irmã lhe confidenciara que passou uma sexta-feira infernal sem saber como lhe reportaria o trágico flagra. E só contou porque não tinha dúvidas. O cunhado se beijou por mais de meia hora com uma mulher na pista de dança da casa de pagode. Descreveu as roupas que ele vestia e o horário do ocorrido, que batiam exatamente com os trajes usados quando ele se despediu lhe dando um beijo carinhoso de boa noite ao sair para o “clube do uísque dos amigos”: um encontro aparentemente inocente, repetido quinzenalmente, sempre no mesmo restaurante luxuoso especializado em carnes nobres. O fato de ter sido sua irmã a portadora da notícia fechava brechas para qualquer engano. Confiava cegamente nela e sabia que sua irmã tinha consciência da gravidade do relato e de como aquilo destruiria sua vida; ela não contaria se não tivesse certeza absoluta. Poderia haver uma circunstância, um contexto, uma explicação. Mas o que ouviu era um fato: seu marido se beijara por meia hora com outra mulher na quinta à noite. Desorientada pegou a chave do carro e correu para o primeiro lugar que veio à mente: a casa de seus pais.

3.
Durante o trajeto, além de arrasada, ficou com medo da reação de sua mãe. Vivia cobrando que a filha era muito permissiva com o marido, que não gostava dessa história dele sair sozinho com frequência e que ela tinha que ter rédea curta e abrir o olho. Não que desconfiasse de nada especificamente. Adorava o genro. Mas se dizendo mais experiente, aconselhava a filha a ter mais cuidado. Por isso, ela teve receio que sua mãe a recebesse com o famoso “eu te disse, eu te disse”. Tocou a campainha e quando sua mãe abriu a porta só conseguiu correr para abraça-la e desabar no choro. – “Ele me traiu, mãe, ele me traiu”. Ao contrário do que ela imaginava (e percebeu que tinha sido injusta em esperar uma postura diferente) o que obteve da mãe foi acolhimento. Sua mãe já havia ouvido a história através de sua irmã e estava preparada para oferecer carinho e colo. Após um primeiro momento de desabafo, passaram a conversar. Mas os conselhos da mãe, esses sim, a surpreenderam. – “Filha... calma... É homem, né filha... Infelizmente os homens são assim... – “O que? Logo você, mãe, com esse discurso machista? Não tem diferença nenhuma”! – “Eu sei, minha filha, que atualmente, graças a Deus, as coisas estão muito mais equiparadas e vocês mulheres de hoje têm muito mais liberdade do que a gente tinha na minha época. Mas homem é tudo igual...” – “Não mãe, não vem com essa! Não entra na minha cabeça que pode ser normal um cara num sábado me mandar flores porque fui promovida no trabalho, sair para jantar comigo para celebrar, ficar a noite toda abraçado comigo da forma mais amorosa do mundo e na quinta imediatamente seguinte agarrar uma mulher numa boate qualquer! Você diz que isso é coisa de homem! Que tipo de homem é esse? Isso não é coisa de homem! É coisa de um robô! Só um robô pode ser capaz de fazer algo assim!” –“Eu sei, filha... É difícil pra gente entender... Mas os homens são assim... Seu pai mesmo...” – “O que? Meu pai? Do que você está falando?” – “Sim, seu pai. Não hoje em dia, é claro. Quer dizer, faz muitos anos já... Mas quando era mais jovem, seu pai não era fácil... A gente já teve brigas homéricas... E sabe o que me fez permanecer casada com ele? Ele sempre voltou para casa. Nunca me expos e sempre priorizou a família. Mas eu não sou boba, sempre percebi quando algo estava acontecendo. Acabava perdoando porque nossa família era mais importante do que uma aventura com uma “zinha” qualquer. E acho que você devia fazer o mesmo...”

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