A SEPARAÇÃO (2o capítulo de 5)
1.
O celular tocou e ele já franziu a testa
impaciente ao ver o número da esposa no visor. “Oi, ainda vai demorar?”. “Estou
trabalhando, daqui a pouco vou embora. Alguma coisa?” “Não... Aliás, sim...
Queria saber que horas você virá, porque quero conversar uma coisa com você”. “Algum
problema com alguém da família?” “Ah, não, está tudo ótimo com todos.
Precisamos conversar sobre a gente”. “Puta que pariu, uma DR para fechar um dia
corrido era tudo que precisava... Daqui a pouco estou indo”. “Tchau”. Ele perdeu
o ânimo para trabalhar. O telefonema da esposa dizendo que queria conversar
tinha acabado com o resto de noite dele. Não tinha mais saco para aquelas DRs
intermináveis que não levavam a nada. “Onde você está? O que está fazendo? Você
só faz trabalhar! Não para mais em casa! Vai demorar?” Saco! Toda liberdade que
tinha durante o namoro tinha acabado com o casamento. Até passou o primeiro ano
procurando ser o marido perfeito, só indo do trabalho para casa de casa para o
trabalho. Sua vida era empresa e família. Mas a rotina tediosa chegou ao limite
e nos dois últimos anos vinha priorizando sua felicidade. Futebol, terças e
sábados, academia sempre que dava e clube do pôquer todas as quintas com os
amigos. Sem contar as saídas quando rolava uma viagem de trabalho. Como ainda
não tinham filhos, se sentia um pouco mais livre para fazer as coisas que mais
gostava, que coincidentemente eram sem a presença de sua mulher. A namorada
divertida e bem humorada há muito tinha deixado de ser uma boa companheira.
Cobranças, cobranças e cobranças. A mulher pela qual se apaixonou tinha se transformado
numa mãe 10 anos mais velha do que ele... Desligou o computador, colocou alguns
documentos na gaveta e partiu para casa. Sair do trabalho mais tarde tinha a
vantagem de pegar o trânsito um pouco mais tranquilo, chegando mais rapidamente.
O que não era uma grande vantagem naquela noite. Ao subir o elevador, já estava
irritado e pretendia ser objetivo e não deixar aquela conversa se estender
demais. Estava puto por não poder ir à academia. Abriu a porta, encontrou sua
esposa sentada no sofá e não resistiu ao tom irônico: “o que foi dessa vez,
deixei a cueca no chão ou a tampa do vaso levantada?” Ela suspirou com
paciência e simplesmente disse: “eu estou indo embora.”
2.
Aquela frase o pegou de surpresa. - “Como é que
é? Indo embora? Como assim, indo embora?” Ela respirou fundo e disse: - “Fala
sério, ainda preciso explicar?”. Ele replicou: - “não estou entendendo... você
está dizendo que está se separando de mim, é isso? Assim, do nada, de repente?”
- “De repente? Vamos ser sinceros... O que é que estamos fazendo juntos? Há
muito tempo que não somos um casal... Somos duas pessoas estranhas que dividem
um apartamento com uma foto de casamento plotada na parede do quarto. E duas
pessoas que estão cada vez menos tolerando a companhia um do outro. Você
pergunta porque separar... E se fizermos a pergunta inversa: Porque estamos
juntos? Qual seria a resposta para essa pergunta?”. O pior é que ela tinha
razão. Há muito tempo não viviam como um casal. Há muito tempo eram dois
estranhos que depois de uma fase de brigas frequentes, simplesmente se
ignoravam. Tinham mais motivos para não ficarem juntos, do que para ficarem,
realmente. Mas não podia negar que a tomada de decisão por parte dela, o tinha
surpreendido. E atingido seu orgulho, sua vaidade. Por pior que a relação
estivesse e mesmo já tendo pensado na possibilidade da separação, imaginava que
aquele dilema e a eventual decisão seriam exclusivamente dele. Sentia-se seguro
que sua esposa não teria coragem ou até mesmo a audácia de escolher o término. Sim,
a audácia. Afinal, era uma mulher de 34 anos... E no fim das contas ele era um
“ótimo partido”. Bonito, inteligente, bem sucedido profissionalmente. Não que
fosse rico, mas estava num momento sólido da carreira com remuneração acima da
média dos colegas de sua idade e com possibilidades palpáveis de crescimento.
Vivia em plenas condições de sustentar sua família. E não era isso que as
mulheres mais desejavam? Segurança e estabilidade para cuidarem de sua família?
Não passava pela sua cabeça que ela tivesse a iniciativa de abandonar tudo
isso. Ainda mais quando a realidade para mulheres de sua idade não andava muito
favorável no quesito “relacionamento”. Conhecia dezenas de amigas dela
solteiras que se queixavam que não haviam mais homens que valessem a pena no
“mercado” e que quem tivesse o “seu” era melhor “segurar.” Mas ela tinha tomado
a decisão. Ela estava escolhendo a incerteza do mundo “lá fora” em detrimento
do relacionamento com ele. E para isso, ele não estava preparado.
Legal! Que ambos sejam felizes, sozinhos ou com outros parceiros. Gostei do final. Fugiu do lugar comum.
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