50. Letícia Spiller e A Esquerda Caviar
Retorno
ao blog depois de meses de ausência (não por falta de assunto, mas por falta –
eu sei, tempo é prioridade e não consegui manter o blog como uma das minhas),
motivado por um dos textos mais irritantes que já li.
Trata-se
da carta aberta de Rodrigo Constantino, colunista de Veja, a Letícia Spiller,
recém vítima de um assalto na sua casa, no qual teria sido feita refém,
inclusive.
O
texto está aqui: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/cultura/carta-aberta-a-leticia-spiller/
Na
minha opinião, o conceito de “esquerda caviar” que Constantino defende,
inclusive num livro, é de uma infantilidade absurda. Argumentos para serem
usados numa discussão ideológica entre crianças de 10 (dez) anos de idade. Mas
para minha surpresa, esse discurso tem grande eco, com muitas pessoas
simpáticas ao ponto de vista.
Assim,
muito humildemente, vou elaborar algumas questões que podem ajudar a
refletirmos sobre o tema:
1. Será que é incoerente que alguém que defende
valores de esquerda, como uma melhor distribuição de renda, a diminuição das
desigualdades sociais, a proteção de pessoas carentes, também lute pela sua
ascensão financeira desfrutando de confortos que oportunidades honestas puderam
propiciar?
2. Será que alguém bem sucedido financeiramente,
não pode defender que seus impostos pagos da forma devida sejam utilizados
prioritariamente para os mais desvalidos da sociedade, em programas sociais que
atenuem suas carências?
3. Essa mesma pessoa é hipócrita ao votar, torcer,
exigir que o Estado (a sociedade organizada) promova ações voltadas aos mais
pobres?
4. Sou hipócrita se eu, privilegiado entre os 10%
mais ricos da sociedade, defender que os mais ricos sejam mais taxados que os
mais pobres?
5. Sou hipócrita se tiver consciência de que meu
eventual sucesso tem como causa, além do meu talento e esforço pessoal, uma
conjunção de fatores e oportunidades alheias à minha atuação, garantidas antes
mesmo de eu nascer?
6. O que é meritocracia? Dá pra falar em
meritocracia comparando oportunidades desiguais?
7. Usando de uma analogia barata: porque José Aldo,
lutador de MMA campeão do peso pena (62 a 66kg) não luta contra Cain Velasquez
campeão do peso pesado (84 a 120kg)?
Porque não usamos o raciocínio da meritocracia para dizer “paciência que ele é
pequeno e leve, ele que se esforce e crie métodos de derrotar alguém mais forte
que ele. Teve um cara, Davi, que já conseguiu”. Não seria mais ou menos o que
acontece com a política de cotas? José Aldo nunca seria campeão se não houvesse
um tratamento desigual a homens de pesos desiguais. Mas tem o mérito de ser o
melhor entre os penas. Nas cotas, reservam-se vagas por diferentes “categorias”
privilegiando os melhores, dentro daquelas categorias. Não é isso? Na NBA, liga
do basquete norte-americano, os times PIORES colocados de um ano, têm
PRIORIDADE de escolher os melhores jogadores universitários no ano seguinte. Será
que os norte-americanos perceberem que é mais inteligente para o sucesso da
liga, promover ações que a princípio contradigam o conceito de meritocracia,
mas que garantam o equilibro da disputa?
8. O fato de Joaquim Barbosa ser o único negro
entre os 12 ministros do Supremo prova que é possível para o negro chegar lá,
ou só mostra que 1 entre 11 é uma proporção adequada para demonstrar que é 11
vezes mais difícil para um negro chegar lá do que para um branco? Que seu
feito, não traduz a realidade média de um país; é a exceção, o incomum, o
extraordinário?
9. Voltando ao assunto da violência, será que é tão
difícil de compreender o seguinte ponto de vista: eu, lúcido, não concordo que
o Estado, através do seu braço armado, a polícia, humilhe, espanque e torture
qualquer indivíduo que pratique um crime. Por acreditar que o Estado deve dar o
exemplo. E tem de ser imparcial e respeitoso, até com criminosos. Isso não quer
dizer que defenda a impunidade e a leniência com a bandidagem. NÃO! Pelo
contrário! São incompatíveis a defesa de uma polícia e uma justiça
eficientes, preparadas, qualificadas que punam com rigor baseando-se no que preceitua
a lei, com o rechaço à truculência, o espancamento, e a execução de
marginais pela polícia ou por justiceiros?
10. É
tão difícil de entender que apesar de acreditar nisso sobriamente, pode ser que
eu, no papel de vítima de uma violência, queira humilhar, espancar e torturar o
meu algoz? É tão incompreensível a minha consciência de que a vingança é um
atributo da fraqueza humana, mas não, absolutamente não, deva ser um componente
do Estado?
11. Continua
ilegível minha crença de que sim, a violência tem como principal causa uma
sociedade de consumo profundamente desigual (desigualdade esta decorrente de
fatores históricos eventuais e não simplesmente do mérito de poucos contra o
fracasso de muitos), mas que não, não quero ser vítima dessa violência e irei
me proteger dela com todas as minhas forças?
12. Sou hipócrita se defendo a melhoria de vida daqueles mais
necessitados, mas não frequento os mesmos lugares que eles? Tem gente que já
argumentou comigo: se você quer proteger tanto esse povo, porque não pega
ônibus lotado às seis da tarde, porque não vai ao show na pista mais barata,
porque não mora num bairro popular? Meu Deus! A argumentação é tão imatura que
dá trabalho até de contestar... O fato de entender que a sociedade organizada
deve proteger os mais necessitados utilizando proporcionalmente e progressivamente recursos do mais ricos
para melhorar as condições de vida de quem mais precisa, me tira o direito de
me sentir desconfortável entre aqueles que não têm os mesmo hábitos, o mesmo
nível cultural e o mesmo grau de educação que eu? Sou hipócrita por pregar e
agir com respeito e tratamento digno ao povão, mas não me relacionar na minha
vida social?
1 13. Por
fim, como alguém que defende os valores que defendo deveria viver? Teria que
doar 90% do salário aos mais pobres? Será que acreditar que o Estado use os
27,5% de que somos taxados para isto, não basta? Deveria não usufruir de
qualquer conforto? Ao exigir que o Estado promova o saneamento básico para
todos, deveria eu me juntar aos que não tem, e viver sem saneamento básico?
Quando defendo que o Estado pegue os R$ 1.500,00 de impostos de alguém que
ganha R$ 5.000,00 e distribua R$ 150,00 para 10 pessoas através de um programa
social baseado no conceito de renda mínima, esta pessoa deveria abrir mão dos seus
R$3.500,00 restantes, passando a viver
também com R$ 150,00? Isso seria coerente? É absurdo defender convictamente que
concordo que esses R$1.500,00 sejam transferidos para agregar R$ 150,00 na vida
de 10 pessoas? Para mim, esses 1.500,00 a menos talvez representem andar num
carro mecânico em vez da sua versão automática; ficar no Ibis quando for a
Paris em vez de num hotel melhorzinho; morar no Le Parque em vez de no
Alphaville; no Candeal em vez do Itaigara; jantar num restaurante uma vez a
cada 15 dias, em vez de toda semana... Mas para 10 pessoas representarão um
pedaço de carne, uma calça jeans, um curso técnico, um aparelho de DVD e duas
cervejinhas a mais.
Onde está a hipocrisia nesse ponto de vista?
Sds,
Hugo
Perfeito, Hugo, meus parabéns. As pessoas ultimamente perderam a sua capacidade de reflexão tão embotadas que estão com esta mídia, acreditantando que tudo o que precisam saber estar lá, e que não precisam mais usar esse órgão maravilhoso chamado cérebro para tirar conclusões um pouquinho diferentes das que são ditadas pelos pitbulls da imprensa.
ResponderExcluirObrigado Lilian!
Excluir27% de taxação? vc vive onde? Na Suécia?
ResponderExcluirOi Leo, vivo no Brasil, no presente. A maior alíquota do Imposto de Renda de pessoa física é 27,5%, não? abraço
Excluirhttp://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/ContribFont2012a2015.htm
Excelente texto, parabéns, pena que o Constantino não para de refutar, mas não encontrei ainda a refutação dele a esse texto
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