17. A pé


Danças entre andanças e mudanças

Ando por aí
Às vezes só
Às vezes bando
Ando

Ando por aí
Às vezes rumo
Às vezes errando
Ando

Ando por aí
Às vezes longo
Às vezes brando
Ando

Mudo por aí
Às vezes só
Às vezes mundo
Mudo


É engraçado ler algumas citações em contextos aparentemente superficiais sobre o quanto é necessário mudar a si mesmo para mudar o mundo. A afirmação em si, tem profundidade; mudar a si mesmo é um processo complexo, doloroso, com implicações e conseqüências que podem sim, transformar o ambiente em que se está inserido.

Há mudanças que buscamos incessante e forçadamente, por julgá-las necessárias ou bem vindas para nossa vida, apesar de nossa índole automaticamente apontar para outra direção. Essas são as mais difíceis. Mas tem também algumas mudanças que vão acontecendo aos poucos, em ritmo homeopático, só possíveis de perceber a partir de uma análise baseada num certo período de tempo, como fotos do “antes e depois” de um ex-gordinho que perdeu vinte quilos; o primeiro quilo perdido é difícil de notar, assim como quem o vê durante todo o processo não percebe de forma tão notória que ao final, vinte quilos desapareceram.

Essas últimas mudanças acontecem com a gente o tempo todo.

Eu, por exemplo, não sei afirmar ao certo quando meu olhar passou a prestar atenção, ou melhor, uma maior atenção a questões relacionadas com qualidade de vida, bem estar, autoconhecimento, sustentabilidade. A esse respeito, há alguns meses, conheci uma revista chamada Vida Simples. Crente de se tratar de uma novidade super interessante, fiquei surpreso quando descobri que a revista já tinha dez anos de existência com mais de cem edições. A revista sempre esteve lá, mas meus olhos, ao percorrerem o mosaico de cores e títulos das bancas de revista e livrarias simplesmente não enxergavam a Vida Simples.

O mote da revista, que após uma mudança editorial recente não aparece mais escrito nas capas, é: relações mais éticas, transformação pessoal, idéias inovadoras, sustentabilidade já.

Nesse sentido, outro dia me dei conta que minha atenção a certos aspectos dessa vida de meu Deus, vem saindo do campo do olhar e da idealização, e passando para atitudes concretas e efetivas. Vou mencionar apenas uma singela vertente recente de certas mudanças: andar a pé.

Nas últimas eleições, retomei um hábito que já tive há muitos anos atrás, quando era muito mais jovem, recém saído da adolescência: fui votar a pé. Era um domingo, eu não tinha nenhum compromisso de horário estabelecido e minha seção eleitoral se localiza a cerca de um quilometro da minha casa.

Semanas depois, fui alugar filme na locadora, que fica um pouco mais próxima ainda, da mesma forma.

Mais recentemente ainda, numa cidade do interior de São Paulo, após percorrer a distância de ida para meu destino de taxi, finalizado o intento, retornei para o hotel a pé, numa distância que devia chegar a uns dois quilômetros.

Sem querer romantizar demais essas caminhadas, ressaltando “cheiros”, “cores”, “formas” (um tipo de abordagem na forma de escrever, que seria mais natural até da revista supracitada), que nos saltam aos olhos quando estamos a pé, mas que passamos batidos dentro do automóvel, senti algo especial em realizar cada uma delas.

Primeiro porque eram caminhadas úteis para destinos em que eu teria que ir ou queria ir para realizar alguma coisa; dessa forma, as caminhadas se trataram de um meio, e não um fim em si mesmo, como quando saímos para caminhar;

Segundo porque percebi, ou melhor, readquiri o prazer de andar na rua – sem horário, pude reparar em mais detalhes que me cercavam, fui a um banco, ao me deparar com uma casa lotérica fiz um jogo, parei na banca de jornal e na farmácia que apareceram no decorrer do caminho para me lembrar de itens que deseja ou precisava comprar...

Terceiro porque, de fato, deixei de despejar alguma quantidade de monóxido de carbono na atmosfera, fazendo algum bem para minha saúde – física e mental.

Alguns leitores podem achar uma grande bobagem esse novo fascínio por algo tão banal, inclusive ressaltando o quanto as distâncias citadas são ínfimas.

Mas talvez haja uma parcela de gente que, como eu, baseada em elementos como violência, clima e pressa – argumentos irrefutáveis, eu sei – se acomodaram no hábito de usar o carro para tudo, não importando a distância, o tempo, nem o objetivo.

Aliás, não parece uma grande contradição, essa crescente busca pela prática de atividade física constante, notadamente com um crescimento muito grande dos grupos de caminhadas e corridas, enquanto não andamos nem dez metros a pé para tarefas cotidianas? É bem possível ver alguém que se vangloria de correr ou caminhar quinze quilômetros por dia, pegando o carro para comprar pão na padaria da esquina.

Mais uma vez, não ignoro o fato de que moramos num país muito perigoso e quente e nem que vivemos uma vida louca de prazos e “correria”. Natural, portanto, nos sentirmos mais protegidos e confortáveis trancados em quadrados de metal que podem chegar a 100 km/h.

Mas por outro lado, esses elementos inquestionáveis talvez nos tenham induzido a usar o carro para destinos e tarefas que uma boa caminhada daria conta sem comprometer nossa agenda nem nossa integridade física. Até porque, do jeito que anda nosso trânsito caótico, muitas vezes o carro não garante nem a segurança nem a economia de tempo.

Tá, está parecendo forçado que uma “andadazinha” à locadora, à padaria ou à seção eleitoral ilustre um texto que começou sobre mudar a si mesmo para mudar o mundo?

Pode ser.

Mas o primeiro quilo de um total de vinte que o ex gordinho perde, só é notado mais tarde, nas fotos de “antes e depois”.

Sds,

Hugo


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