16. Música do Mês. Novembro. Superfície.

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Sim, está tudo bem
Eu estou feliz
E todos também

Sim, está tudo ok
Agora é assim
É a nova lei

O sucesso é uma imagem
Incerteza é palavrão
O amor na tatuagem
Em silêncio o coração

Sim, está tudo dez
Da boca pra fora
Da cabeça aos pés

Sim, está tudo legal
Na cara, na foto
No mundo virtual

Logo acima do tapete
Peças de decoração
Cá na superfície, enfeite
Mas há poeira no porão

Um mergulho em águas rasas
Medo de não ter pulmão
Mas um dia cai a casa
E vem à tona o porão


A alegria é verdadeira, mas a forma como foi exaltada acima é mais uma curtição com o tema desta música: refletir um pouco sobre como a sociedade atual estipulou uma espécie de “ditadura da felicidade”. Mais do que um direito à felicidade, todos hoje parecem ter um dever à felicidade.

Obviamente que não tenho nada contra a felicidade, a sua busca, sua expectativa. Quero e tento ser cada vez mais feliz. Mas o que a letra tenta levantar é que atualmente existe uma certa imposição de que todos têm de ser felizes agora mesmo, o tempo todo, como se fosse possível dissociar da vida humana a angústia, a tristeza, o sofrimento.

Outro dia vi numa rede social a seguinte frase: “Deus te quer sorrindo”! Será mesmo?

Sempre desconfiei daquelas pessoas que passam o tempo inteiro se lamentando, enfatizando suas desgraças, ressaltando o quanto é infeliz. Mas também olho meio ressabiado para pessoas que estão sempre empolgadas, narrando a facilidade com que superam os percalços da vida, e como acordam todo dia sorrindo, alegres, exultantes por mais um dia! Poxa, um pouco de mau humor depois de acordar deveria ser – esse sim – um direito de todo ser humano (rs)!

Mais uma vez, não há nenhum problema em ver a vida com olhos otimistas e encarar os desafios com esperança. Eu mesmo me considero assim. O que tento refletir é que se mostrar “cem por cento feliz sempre” é uma mentira, pois o sofrimento faz parte da condição humana. E essa mentira é estimulada por esse senso atual de que a felicidade é um sentimento mais necessário do que casual. Mais como um fim em si mesmo do que natural.

Nesse contexto, passamos então a observar que a necessidade de demonstração de felicidade acaba por prender muita gente numa relação superficial com sua própria vida. Passa-se a rejeitar o surgimento de qualquer sentimento contrário à felicidade, como dúvidas, sensação de inadequação, sacrifício. Fica até mesmo difícil abrir mão de um prazer ou vantagem pessoal em função de questões éticas e morais (nesse sentido, basta olhar como anda nossa sociedade...)

E aí vemos amores eternizados em tatuagens, mas pouca disposição para se dedicar de verdade a esse amor; ilustrações de uma vida profissional bem sucedida por meio de bens materiais vistosos, mas uma realidade financeira de grande endividamento; muitas convicções e certezas sobre cada passo, mas os níveis de ansiedade e depressão (aparentemente inexplicavelmente) só crescendo na sociedade – não é a toa que o rivotril, um ansiolítico, é um dos remédios mais vendidos do país (como sempre lembra o pensador contemporâneo Carlos Maltz).

Pois é, o problema é que um dia, cedo ou tarde, a conta dessa aparente, frágil e superficial felicidade onipresente, chega. Um dia, toda incerteza, todo peso na consciência, toda agonia que foi varrida para debaixo do tapete, através das baladas intermináveis, dos bens de consumos inesgotáveis, e do abuso insaciável das drogas legais e ilegais, virá à tona.

E nesse dia seremos obrigados a enfrentar a poeira do porão.

Sds,

Hugo

PS: Mais uma vez, recomendo a audição da música através de fones de ouvido. Perde-se muito da percepção do conjunto e de detalhes através da execução por meio de notebooks ou celulares, que não reproduzem, a contento, principalmente, os elementos mais graves da canção (acho que é isso). E na introdução dessa música especificamente, Yonsen Maia preparou um jogo delicioso de variação da melodia entre as caixas de som. Não me sinto apto a explicar. Melhor mesmo, ouvir!

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