12. Medo do Mico

Pagou mico?
“Credo, olha que perna de pau!”
“Se eu treinasse não jogaria tão mal”
“Nossa, mas que discurso ruim!”
“Daria um show, mas não estou a fim”

E você, que critica, mas não tenta
Ei, você, que condena sem saber
É, você, que não arrisca e se contenta
Diz aí, o que faz pra merecer?

“Ah, se eu quisesse, eu faria”
“Iria executar com maestria”
“É, eu mandaria muito bem”
“Não deixaria a desejar para ninguém”

E você, que diz que faria melhor
Por que não faz, e fica apenas no gogó?
E você, que acha que poderia
Porque não sai do mundo da fantasia?

É fácil falar, é fácil dizer
Quero ver ralar, quero ver fazer
Quem tenta tentar e assume se expor
Mais chance de errar. Muito mais valor

Carlos Maltz, nos diálogos que mantém no twitter com seus “seguidores”, deu o seguinte conselho para uma menina:

“se quiser fazer da sua vida algo significativo pra ti, não tenha medo do ridículo; medo do ridículo é coisa para os medíocres que fazem de conta que estão vivos. A maioria das pessoas morre de medo do ridículo; mesmo muitos artistas, o que é difícil de acreditar, mas é verdade... O que faz uma pessoa com medo do ridículo? Só bobagenzinhas insossas... Politicamente corretas...”

Sou obrigado a concordar com ele. O quanto de coisas que temos vontade de fazer e não fazemos por conta desse “medo do ridículo”. Desde dançar numa festa, falar em público na apresentação de trabalho da escola, andar com um carro ou uma roupa fora dos padrões, mostrar poesias, músicas, desenhos que criamos: estamos sempre temendo o julgamento dos outros.

Mas isso não acontece por acaso. Os “outros” (na verdade, nós mesmos) frequentemente são (somos) implacáveis nos seus (nossos) julgamentos.

Lembro-me de uma situação vivida há alguns anos numa praia – considerada “point do momento” – de Salvador à época:

De repente, todo mundo que estava na praia começou a olhar para um lado e a dar risada, fazendo comentários e rindo. Quando olhei, o alvo da gozação era um cara com cara de gringo que simplesmente vestia uma sunga cavada, fora do padrão de “sungão” usado no Brasil naqueles tempos. A sunga não era nada demais, parecia mais com aquelas sungas que vemos nossos pais vestidos (ou avós pra quem é mais novo) nas fotos de praia dos anos 80: mais cavada nas laterais com a borda bem mais fininha em relação ao padrão sungão que passou a vigorar dos anos 90 para cá.

Mas o gringo virou a atração da praia, a tal ponto que, incomodado com os olhares, comentários e risadas, ele sumiu e retornou minutos depois vestindo um sungão bem dentro do modelo “normal” vestida por quase todos homens da praia.

Fico pensando o quanto aquele gringo pode ter achado estranha essa situação. Possivelmente, ele nem tenha o costume de usar sunga (vemos os estrangeiros normalmente usando bermudas nas praias e piscinas) e resolveu usar justamente para se adequar ao jeito brasileiro “descontraído” e “livre” de se vestir na praia. Mal sabia ele que nós brasileiros, e provavelmente mais intensamente, nós soteropolitanos, temos um modo muito especial de sermos despojados quando nos vestimos para a praia. A falta de três centímetros na borda lateral da sunga pode causar uma grande diferença.

Mais interessante ainda é notar que grande parte daquele público que estava na praia comentando sobre a sunga “ridícula” do gringo, era gente de classe média pra cima, que certamente já teve oportunidade de viajar para o exterior. Não é difícil imaginar uma daquelas pessoas comentando após uma viagem a Londres ou Nova York o quanto essas cidades são cosmopolitas, que há gente vestida de todo modo nas ruas, que pode passar uma pessoa fantasiada de E.T., que isso não causa nenhuma reação de ninguém, e o quanto isso é o “máaaaaaaximo”.

Pois é... Essa mesma pessoa parece que é a primeira a criticar a bolsa c-a-f-o-n-a, o carro e-s-q-u-i-s-i-t-o, o discurso p-a-t-é-t-i-c-o.

É claro que não há nada de errado em conversarmos, comentarmos, criticarmos tudo que vemos a nossa volta. Mas muitas vezes vejo certos julgamentos de atitudes que seriam ridículas, partindo de gente que não se arrisca e que prefere, como disse Carlos Maltz acima, viver num mundo protegido e insosso.

Outro dia, um repórter do programa de TV “CQC”, que costuma abordar artistas com perguntas ácidas e humoradas, normalmente em tom de chacota, na saída de um evento de premiação de música, perguntou ao cantor Supla sobre seu clipe da música “Japa Girl” – um ícone da cultura trash dos anos 80. Supla respondeu: “Japa Girl” é um ótimo clipe. E você, qual o clipe que você já fez?

Fico imaginando se artistas como Raul Seixas, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Ney Matogrosso, em começo de carreira, tivessem tido medo do ridículo... Provavelmente, não teríamos conhecido suas obras, hoje tidas como geniais.

Isso até levanta outra questão. Parece que vivemos uma relação de amor e ódio com aquelas pessoas que fogem do padrão. Que têm personalidade suficiente para se vestir de maneira “diferente”, para opinar fora do senso comum, para se conduzir de maneira singular, autêntica, ímpar.

Acho que criticamos tanto o “ridículo” porque ele, diferente de nós, tem coragem suficiente para ser... ele. O “ridículo” escancara em nossa cara que é possível ter personalidade, que é possível ultrapassar os limites do que é “aceito” pela sociedade-média. Vale lembrar que a palavra medíocre vem de médio.

Talvez o julgamento implacável ao que é ridículo seja uma reação necessária para nos defendermos do nosso próprio medo de sermos quem somos. E nesse momento valorizamos aquilo que nos protege dentro do convívio social: ser igual.

O mais interessante disso tudo é que aquele que não tem medo do ridículo, não raramente, além de ser o mais criticado, é também, no fundo, o mais admirado.

Sds,

Hugo

PS 1: Pense naquela pessoa dançando de forma ridícula (e alegre) na pista de dança. Quando você comenta com quem está do lado sobre o (a) dançarino (a) ridícula, não está com uma vontadezinha de estar ali, dançando junto?

PS 2: O poeminha que abre o texto pretende ser a futura letra de uma música chamada “Mundo da Fantasia” que precisa ser melhor trabalhada;

PS 3: Humberto Gessinger, eterno letrista dos Engenheiros do Hawaii, tem uma música que diz assim: “Seria mais fácil fazer como todo mundo faz / O caminho mais curto, produto que rende mais / Seria mais fácil fazer como todo mundo faz / Um tiro certeiro, modelo que vende mais // Seria mais fácil fazer como todo mundo faz / sem sair do sofá, deixar a Ferrari pra trás / Seria mais fácil, como todo mundo faz / O milésimo gol sentado na mesa de um bar.

PS 4: Sobre escrever, compor e compartilhar blog e músicas e o medo do mico, tem uma frase escritor Paulo Leminsk que gosto muito: “isso de ser exatamente o que se é, ainda vai nos levar além”.

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