10. Obrigado Não

fonte da foto: http://blogdaserra.com/2012/05/22/senado-propoe-fim-do-voto-obrigatorio-no-brasil/
Escolhemos escolher?
“Obrigado Não” é um título de uma música de Rita Lee bem legal. Entre as obrigatoriedades e proibições que menciona, fala da obrigatoriedade do voto: “ Cuidado com polícia, Cuidado com ladrão, Não seja condenado a votar em canastrão“.

Após mais uma eleição, em que os índices de abstenção, votos nulos e brancos continuam a crescer, superando, em muitas cidades, inclusive, o número de votos dos primeiros colocados, o debate sobre a obrigatoriedade do voto é inevitável.

Eu mesmo sempre achei a absurdo o fato do voto ser obrigatório no Brasil. Porém, ultimamente acho que estou mudando de posição.

Nessa última eleição aconteceu uma situação interessante:

Eu sempre me achei politizado, acompanho alguns debates de analistas políticos na TV até mais tarde, gosto de ler sobre política em revistas semanais, jornais, sites. Minha namorada diz que não gosta de política, evita conversar sobre o assunto, quase não me diz de quem seria o voto dela (embora, a meu ver, tenha posições muito pertinentes na política acadêmica, condominial, familiar). Pois bem, caso o voto fosse facultativo, no último domingo, acredito que ela não votaria em razão de um compromisso com um curso que durou praticamente todo o dia, enquanto eu, mesmo sem ser obrigado, iria cumprir com meu dever de cidadão engajado. Mas na prática o que senti foi que mesmo se dizendo pouco politizada e indo votar muito em função da obrigação, ela votou em seus candidatos com muito mais convicção do que eu nos meus.

O que essa história conta é que obrigar as pessoas a votar, mesmo com o alto índice de abstenção, votos nulos e brancos, nos leva a legitimar o próprio sentido da eleição, ao contar com a opinião rica de gente que, se não tivesse que opinar, abriria mão desse direito. Sem medo da frase clichê, é preciso entender que a opinião de quem vota porque é obrigado e a de quem votaria mesmo se assim não fosse, vale o mesmo, tanto em termos de voto quanto de importância – ao contrário dos que defendem que muita gente que vai votar porque é obrigada, faz escolhas menos conscientes.

Veja-se, por exemplo, as esvaziadas reuniões de condomínio para eleição do síndico (toda vez que me deparo com um dilema macro da sociedade, tento fazer analogia com alguma situação menor, para clarear as idéias).

Sempre achei que se omitir da eleição do síndico do condomínio tira um pouco de moral para fazer alguma cobrança, mesmo pagando o condomínio em dia. Em relação às eleições para Poder Executivo e Legislativo, acho que uma enorme abstenção (que já tem sido grande com o voto obrigatório), inevitavelmente decorrente da faculdade de votar, nos levaria a uma sensação de cidadania um pouco mais frágil. Ficaríamos meio constrangidos de cobrar.

Outra analogia: observem aquele morador que quase nunca comparece às reuniões condominiais, mas numa assembléia qualquer resolve aparecer, meio preguiçoso, meio contrariado. Quase sempre acaba se envolvendo no debate, fazendo sugestões pertinentes e críticas construtivas. Ou seja, quem comparece a assembléia de condomínio (ou à eleição de prefeito) mesmo sem querer estar ali, tem muito a contribuir ao processo.

Talvez o maior problema, na verdade, seja o fato de que a palavra “obrigação” cada vez mais tem a cara de “palavrão” na nossa sociedade.

Os defensores do voto facultativo adoram dizer que o voto é um direito e não um dever.

Nossa sociedade hedonista atual tem pavor a qualquer coisa que lembre um “dever” de agir. Só queremos direitos.

Ganhamos o direito a ser feliz e em nome desse direito estamos cada vez mais renegando diversos deveres: o dever à gentileza, o dever de fidelidade, o dever de cuidar do filho, o dever de esperar sua vez.  

Numa sociedade em que só há “direitos” e o pecado foi exilado, pois tudo é permitido pela “busca da felicidade”, a existência de uma obrigação, mesmo sendo a obrigação mínima de despender um pouco de seu tempo num domingo a cada dois anos (!), é vista como um acinte, um absurdo, uma violência.

No fim das contas acho que temos o direito de sermos obrigados a votar.

Tenho o direito de ter um dever
Se não fosse assim, o que iria fazer?

Pois a rima é obrigação da poesia
E as notas certas têm que estar na melodia

O livre arbítrio é uma obrigação
Da qual não se pode dizer não

Sendo assim, a liberdade é uma cela
Nunca poderemos fugir dela

Sds,

Hugo

PS 1: Décimo texto do blog na décima semana consecutiva. Para alguns pode ser ridiculamente fácil escrever um texto semanal, para outros pode ser impossível. Para mim, tem sido muito difícil e ao mesmo tempo um prazer. Impus-me o dever de escrever toda quarta-feira, pois só atingiria esse objetivo se me sentisse obrigado (no caso, por mim mesmo). Por que me imponho uma tarefa dessas, enquanto poderia estar livre para fazer qualquer outra coisa que quisesse? Pelo exercício de escrever, pela satisfação de ver o dever cumprido, pela necessidade de exprimir algumas idéias de forma organizada, pontual. Eu quis não poder querer “outra coisa que quisesse”. Pode ser que esse compromisso não vá muito adiante, pode até mesmo ser que não esteja aqui semana que vem. Mas acho que estou começando a entender o sentido da expressão (para mim, sem sentido) “disciplina é liberdade”.    

PS 2: Em um hipotético plebiscito para decidir sobre a manutenção da obrigatoriedade do voto, os eleitores seriam obrigados a votar?


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