2. Atletas e Artistas
O reflexo e a
reflexão
Ao final da 30ª Olimpíada, nos deparamos com os
comentários de praxe sobre o quanto o Brasil não investe no esporte, que nossa
posição no quadro de medalhas é desproporcional ao nosso PIB, ao nosso
gigantismo territorial, ao tamanho da nossa população.
Os jornalistas mais sérios cobram de dirigentes
esportivos, das empresas estatais e do Estado como um todo.
Os humoristas brincam com os cabelos esquisitos, as
caretas em câmera lenta, e os fracassos mais notórios (sucesso obrigatório?).
Mas me chamou mais atenção dessa vez o grau de rigor que
as pessoas em geral têm com os atletas e treinadores, particularmente.
No escritório, no elevador, no aeroporto, na roda de
amigos e primos, o que mais ouço são críticas direcionadas ao mau desempenho,
ou melhor, ao desempenho abaixo do esperado, por parte de nossos atletas mais
abnegados (negados?).
Que atire a
primeira pedra
Aquele que nunca
errou
Aquele que não
sofreu queda
Aquele que não
sentiu dor
Neste momento, é necessário um aparte: é incrível como nos
apoderamos das figuras e ações alheias, ao mencionarmos sem nenhum pudor
“nosso” desempenho, “nossa vitória”, “nossos atletas”. Às vezes acho uma
invasão me referir aos competidores brasileiros como “nossos”, mas por outro
lado, deve ser positiva a sensação de pertencer a um grupo, uma família, uma
nação.
Mas voltando à divagação inicial, fico besta como muitos
brasileiros em geral se sentem à vontade para criticar, cobrar e espinhar em
cima de desempenho de atletas e artistas nacionais. Digo brasileiros, porque é
o universo que conheço. Não se está aqui levantando a tese de uma
característica específica do Brasil.
Porém desconfio que tanto rigor possa ser realmente uma
característica “nossa”.
Se o nadador favorito dos 50 metros rasos não
vence, chegando em terceiro, ele amarelou – “só faz falar”. Se a campeã do
salto com vara refuga na tentativa de mais um salto e atribui sua hesitação ao
forte vento do momento, logo vira chacota nacional. Se o time masculino de
vôlei ultra-hiper-hegemonicamente vencedor toma uma virada num jogo que parecia
ganho, foi um grande vacilo: como é que eles não fecharam aquele 4º set?! “Já
não são mais os mesmos”.
Vejam bem, não se está aqui querendo proteger os atletas
de críticas aos seus desempenhos. A análise técnica e também passional deve
existir.
O que me chama a atenção é o tamanho da indignação de
muita gente para com pessoas vencedoras, dedicadas e empenhadas, que, por
circunstâncias do esporte, não conseguiram o resultado esperado (ex-parado).
Que aponte o
primeiro dedo
Aquele que nunca
perdeu
Aquele que não
teve medo
E por medo,
disse adeus
Cada vez mais tenho sido mais tolerante com as pessoas em
geral. Principalmente com aquelas que se arriscam e tentam chegar a algum
lugar. Cada vez mais sou mais tolerante e respeito mais qualquer artista que dá
a cara a bater em cima de qualquer palco.
Só não erra quem não tenta. Só não fracassa quem já
morreu.
Outro dia li um roqueiro brasileiro dos anos 80 criticando
a performance do ator Wagner Moura cantando à frente de uma banda formada pelos
ex-músicos da Legião Urbana. Podem existir realmente 300 motivos para se torcer
o nariz para a reunião dessa turma num show, mas o cara criticava o ator por
desafinar. Caramba, logo um cara que fez parte de uma geração que se entregou à
arte no peito e na raça com muito mais vontade do que excelência musical. Já vi
esse roqueiro desafinar inúmeras vezes. E ele nem tem a voz bonita.
Da mesma forma que na abertura desses mesmos jogos olímpicos
que acabam de acabar, li dois outros artistas da geração anos 80 criticando uma
desafinada de nada menos nada mais que Paul McCartney. Putz, esses caras não
têm espelho em casa?!
Que faça a
primeira crítica
O modelo de
perfeição
Que cobra ética
na política
Mas pratica
sonegação
Aliás, acho que é justamente esse o motivo que me faz ser
tão tolerante com artistas e atletas. Cada vez que me aprofundo no
autoconhecimento, procurando ter coragem para olhar no espelho sem disfarces,
tenho mais respeito com aqueles que tentam, independentemente de chegarem ou
não. Eu, que já falhei tanto na vida, que já cheguei em terceiro várias vezes,
que não dei um salto por insegurança com o vento e perdi batalhas há um ponto
do final, vou criticar quem quer que seja porque não venceu uma prova para a
qual se dedicou durante meses e meses num esporte em que se empenha há anos e
anos?
Eu que desafino bisonhamente vou criticar um gênio, um
ícone da música popular mundial porque desafinou num show ao vivo? (Vivo!)
Nessa mesma linha, eu que sou cheio de fraquezas, desvios
e receios vou apontar meu dedo inquisidor para cada deslize daqueles que me
cercam?
É claro que, vez por outra, infelizmente, ainda faço isso,
mas tenho procurado cada vez mais respeitar os limites do ser humano.
Entende-lo, tolerá-lo. Pois só assim, poderei entender-me e tolerar-me.
Uma olhada no espelho não faz mal a ninguém.
Que atire a
primeira pedra
Quem não tem
telhado de vidro
Pois aquele que
nunca erra
Se é que há tal
indivíduo
Deve estar
debaixo da terra
Pois só não erra
quem não está vivo
Sds,
Hugo
PS 1: O reconhecimento de fraquezas é o primeiro passo
para superá-las;
PS 2: O reconhecimento de fraquezas, ao contrário do que
possa parecer, só enaltece as virtudes;
PS 3: Reconhecimento de fraquezas = Autoconhecimento e
franqueza.
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